Quando o apito
Da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você
Da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você
Mas você anda
Sem dúvida bem zangada
Ou está interessada
Em fingir que não me vê
Você que atende ao apito
De uma chaminé de barro
Por que não atende ao grito tão aflito
Da buzina do meu carro?
De uma chaminé de barro
Por que não atende ao grito tão aflito
Da buzina do meu carro?
Você no inverno
Sem meias volta ao trabalho
Não faz fé com agasalho
Nem no frio você crê
Sem meias volta ao trabalho
Não faz fé com agasalho
Nem no frio você crê
Mas você é mesmo
Artigo que não se imita
Quando a fábrica apita
Faz reclame de você
Artigo que não se imita
Quando a fábrica apita
Faz reclame de você
Nos meus olhos você vê
Como sofro cruelmente
Com ciúmes do gerente impertinente
Que dá ordens a você
Como sofro cruelmente
Com ciúmes do gerente impertinente
Que dá ordens a você
Sou do sereno
Poeta muito soturno
Vou virar guarda noturno
E você sabe por que
Poeta muito soturno
Vou virar guarda noturno
E você sabe por que
Mas você não sabe
Que enquanto você faz pano
Faço junto do piano
Estes versos prá você
Comentário:
O compositor Noel Rosa nasceu no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro, em 1910, e se tornou conhecido anos mais tarde, como o “Poeta da Vila”. Ao longo de sua curta e densa carreira, Noel produziu mais de trezentas musicas, sozinho e com parceiros, a maioria das letras eram de sua autoria, e compôs alguns “clássicos”, edificando uma obra que contribuiu para a formação da historia da musica popular brasileira. Noel compunha suas musicas centrado no microcosmo social caracterizado pelo samba, Vila Isabel e a sociedade carioca da década de 1930. Esse universo está bem presente na musica “três apitos” de 1933, cujo titulo indica o espaço social em que se desenvolve a história narrada pelo autor: a emergente sociedade industrial brasileira, que deu origem a duas classes sociais nascentes, a burguesia e o proletariado tipicamente urbano, o que começou a surgir com o enfraquecimento das oligarquias rurais.
Operários, de Tarsila do Amaral, 1933. Óleo sobre tela
Comentário:
A tela Operários da pintora Tarsila do Amaral (1886-1973), realizada no mesmo ano em que Noel Rosa compôs Três apitos. Essa obra mostra o interesse de Tarsila em retratar os acontecimentos sociais e de pessoas vindas de todos os pontos do Brasil para São Paulo e Rio de Janeiro, com objetivo de trabalhar nas fábricas, que começavam a surgir na época.
Tarsila do Amaral expressa o mundo do trabalho: um grande número de rostos colocados lado a lado, sem nenhum sorriso, pois a preocupação não deixa lugar para a alegria. Os operários são brancos, negros, mestiços, japoneses, homens e mulheres de várias idades, todos com fisionomia bastante séria, formando a cena, observe que não há rostos iguais.
A expressão dos operários representados é de tristeza, indiferença, cansaço. Representam as péssimas condições de trabalho a que estão submetidos, e a falta de perspectivas que predomina no contexto de opressão da chamada "Era Vargas".
São pessoas que nos olham fixamente como a nos lembrar de que é duro o trabalho nas fábricas, presentes na obra sob a forma de um prédio austero. A obra é um raro exemplo da etnia brasileira.
Ao fundo, aparecem as grandes chaminés das fábricas que impulsionaram o crescimento do nosso país na primeira metade do século XX.
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